sábado, 30 de julho de 2016

Jovem Guarda (TV Record) - Mais de 50 anos depois da estreia, nos perguntamos: Será que daqui há mais 50, alguém ainda vai se lembrar?




O Brasil infelizmente nunca primou por sua memória. Fato curioso, já que pra entender um pouquinho do nosso presente e da nossa identidade, conhecer a própria história deveria ser essencial. Se a memória não é cultuada, compreender como chegamos até onde hoje estamos é impossível. Mas, temos que ter consciência de que, mesmo com essa total ausência de conhecimento da nossa história, ela não deixa de existir. Está lá, guardada no recôndito de algumas mentes, fazendo algum esforço em manter viva a memória que insiste em se calar.

O primeiro meio de comunicação de massa que atingiu em cheio o coração dos brasileiros foi o Rádio. Época dos áureos tempos da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, onde desfilavam astros de primeira grandeza da nossa música e as radionovelas eram sensação. Conhecida como a "Era do Rádio", se estendeu da década de 30 até meados da década de 60, quando gradativamente foi se mesclando com a crescente popularidade da TV, o novo veículo que iria imperar por longos anos.

Exatamente no ano de 1965 duas personalidades que começavam a despontar no meio musical assinaram os primeiros contratos milionários da TV brasileira. Eram eles: Elis Regina e Roberto Carlos. Ela pra apresentar ao lado de Jair Rodrigues o musical "O Fino da Bossa" e ele pra apresentar o musical "Jovem Guarda" com Erasmo Carlos e Wanderléa, ambos pela TV Record.

Essa fase, ainda muito influenciada pela força que o Rádio exercia, foi marcada pelos grandes musicais na TV. Pouco antes da "poderosa" TV Globo dominar o cenário com a febre das telenovelas, essa programação era líder de audiência e, a TV Record trazia em seu cast os principais nomes da música nacional. De 1965 à 1968, além das diversas atrações musicais, frequentes na grade das principais emissoras de TV, foi o auge dos famosos Festivais de MPB, responsáveis por consagrar nomes como: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Nara Leão, Gal Costa, Geraldo Vandré, Os Mutantes, entre outros. 

O início dessa efervescente cena da nossa história foi com a estreia de "O Fino da Bossa" e, "Jovem Guarda" na sequência. A juventude nessa ocasião se dividia: de um lado os amantes da chamada MPB, considerada genuinamente brasileira e, do outro os "roqueiros", totalmente influenciados pela música estrangeira. Essa divisão foi se acentuando conforme a audiência do programa "Jovem Guarda" aumentou, chegando a registrar pelo IBOPE índices nunca antes alcançados na história da TV brasileira.

Em 22 de Agosto de 1965 entrava ao vivo pela TV Record a primeira edição de "Jovem Guarda". A partir daí, as tardes de domingo nunca mais seriam as mesmas. A Rua da Consolação na cidade de São Paulo, onde ocorriam as gravações no Teatro Record, parava e uma multidão de fãs se aglomerava pra tentar ver de perto aqueles jovens que começavam a se tornar ídolos em todo o país.

À princípio os anunciantes publicitários não se interessaram por patrocinar aquele "bando de cabeludos", pois acreditavam que não seria saudável a imagem de sua marca associada à "delinquência juvenil". Mas, dentro de pouco tempo perceberam que ali nascia um novo segmento de público a ser explorado por eles. Tão logo surgiu um infinidade de artigos no mercado relacionados aos novos ídolos teens, de roupas à cadernos, chaveiros, brinquedos e afins.

O programa "Jovem Guarda" deixou de ser apenas um especial dominical de TV pra se tornar um movimento cultural e social, responsável por dar voz ativa aos jovens e abrir as portas pra essa independência, mesmo que da forma mais ingênua e despolitizada possível.

A "febre" perdurou por cerca de 3 anos. Já a partir do segundo ano no ar, o programa começou a dar os primeiros sinais de queda em popularidade. E foi justamente nessa época (1967) que um outro grupo de jovens trouxe uma nova proposta musical, mesclando os elementos do rock "jovem guardista", na época chamado de Iê Iê Iê, com a música tradicional brasileira. Os tropicalistas, encabeçados por Caetano Veloso e Gilberto Gil caíram nas graças do público na terceira edição do Festival da MPB (TV Record) com o início da chamada Tropicália. Eles não só se apropriaram de toda essa riqueza cultural que a música brasileira vivia na época, como compraram uma briga com a ala tradicionalista da MPB e, por isso acabaram sendo abraçados por Roberto Carlos e CIA, que assim como eles, eram marginalizados pela crítica musical como sendo produtores de "sub-música".

Essa ruptura trazida pelos tropicalistas teve certa resistência por algum tempo, mas logo depois perceberam o quão "desinteligente" era pensar que essa divisão ideológica da juventude pudesse também separar música de qualidade do "resto". No fim das contas, entenderam que música é universal e que seria tolice pensar que existe algo genuíno em matéria de produção artística.

A revolução musical aconteceu de maneira extremamente peculiar, pois em nenhuma outra parte do mundo existiu essa divisão da música por categoria como no Brasil desse período. Um cenário nunca antes visto e que jamais se repetiu.

Embora tão rico, esse momento é praticamente nulo de registros em vídeo. Inúmeras explicações / teorias pra esse fato foram difundidas ao longo do tempo, dentre elas o fato do vídeo-tape ter começado a ser utilizado nesse período. Até então toda a produção televisiva era transmitida ao vivo e muito desse material nem chegou a ser registrado em fita. Porém, não é o caso de "Jovem Guarda que, mesmo sendo transmitido ao vivo, devido aos grandes índices de audiência, tinha as fitas em vídeo-tape enviadas pra serem retransmitidas em diversos estados brasileiros. Justamente por ser algo novo na época, muitas fitas de vídeo-tape foram reaproveitadas pelas emissoras de TV, quando faziam novos registros por cima dos já gravados e, com isso se perdeu muita coisa com o tempo.

Além disso, a falta de preocupação com o armazenamento e cuidado com os arquivos foi responsável pela perda de grande parte do acervo em incêndios criminosos e também pelo despreparo em preservar todo esse material. Sabemos que muita coisa foi descartada como lixo, talvez por não acharem viável investir na recuperação das fitas. Com isso, pro lixo também vai toda a memória de uma época, vira cinzas.

Quem não viveu a época e sempre sonhou em ver ao menos algum trecho desses programas como eu, se frustra ao saber que isto talvez seja um sonho inatingível. Eu mesmo enfrentei grandes transtornos durante produção de um vídeo documentário que realizei com Vívian Nakamura sobre o movimento Jovem Guarda há 5 anos. Na ocasião, em busca incessante por material em vídeo dessa época, o máximo que consegui foi imagens de alguns registros em cinema, em sua grande maioria baixadas da Internet, já que pra ter acesso à parte desse material junto à Cinemateca brasileira, eu teria que pagar. Isso mesmo, pagar pra ter acesso a um material que é de domínio público e detalhe: a esmagadora maioria desse parco acervo de filmes que a Cinemateca brasileira dispõe nunca foi digitalizado, estão em formato VHS e, por isso não podem sequer ser vendidos.     

Ontem tive a imensa felicidade ao ter acesso à essa matéria, exibida pela Band TV possivelmente na década de 90. Nela é possível assistir a pequenos fragmentos do programa "Jovem Guarda", curiosamente nunca mais vistos em qualquer matéria exibida nos anos seguintes.